Sobre

“É preciso extrair o eterno do transitório”  Charles Baudelaire     Como pode uma imagem carregar-se de tempo? A pergunta que Agamben nos coloca em seu ensaio sobre o tratado De la arte di ballare et danzare, de Domenico Piacenza, marca a presença temporal na arte da dança. Mesmo imóvel, o corpo no momento da dança sustenta o movimento. É o que Didi-Huberman chama de “dinamismo imóvel”. Quando o corpo, mesmo parado, não para de dançar, existem forças múltiplas, que aguentam o movimento em uma detenção constante. Em cena, esse instante saturado de temporalidade é revelado em um silêncio audível.     Captar a dança é uma das tarefas mais difíceis que um fotógrafo pode encontrar. O corpo em movimento é fugidio e entre saltos, quedas, pausas e giros que acontecem e se desfazem por frações de segundos é preciso encontrar o momento exato do click. A fotografia, esse desenho de luz, consegue apreender o instante de cada movimento, mas na medida em que um movimento se transforma em outro, a imagem  escapa. O fotógrafo deve estar atento a esse lampejo, afinando o olhar para fisgar essa fugacidade.     A vibração sensível do corpo que dança estabelece um desafio para a fotografia. Deter a sutileza de uma arte efêmera requer uma percepção aguçada. Encontrar o momento nos espaços em que antecede a desaparição supõe estar atento aos mínimos gestos. Quando a imagem é atingida pelo imperceptível, consegue revelar as variantes de uma passagem. Um acontecimento decisivo que incide sobre os corpos em um momento preciso.    Mas além de entender a natureza fugidia da dança, existe o tratamento essencial do ofício fotográfico: a luz. Sabemos que a luz cênica é diferenciada. No palco as luzes são outras e muitas vezes não coincidem com as nuances da lente. Se a luz de um espetáculo não é pensada propriamente para a fotografia ou vídeo, o fotógrafo deve se desdobrar para conciliar tempo, iluminação e potência em uma mesma imagem.     Nas fotografias de Cristiano Prim, a dança aparece. Encontra no efêmero aquilo que pode escapar, revelando muitas vezes o que está oculto, uma intensidade atravessada por um feixe de luz. Sua lente estabelece um recorte, um enquadramento direcionado à captação de um detalhe que muitas vezes não é o foco da cena. Com uma vasta experiência no campo da fotografia cênica, Prim não se limita ao registro, ao contrário, seu olhar aposta na potência da imagem, carregada de temporalidade. Procura uma descoberta encontrada em um corpo pleno e pulsante. Para que isso aconteça, o risco é inevitável. Conseguir capturar o instante nas possibilidades de movimento, deslocamentos no espaço e disparidades de tempo, requer conhecimento. Fotografar a dança é lidar com o imprevisto. E para isso é preciso saber. Cristiano Prim sabe. Lucila Vilela